Parcerias Municipais equitativas

Hoje, muitas parcerias municipais vão além do intercâmbio cultural: envolvendo o apoio técnico entre colegas, o intercâmbio de conhecimento e experiências, elas assumem novas perspectivas e promovem o desenvolvimento local sustentável. No mundo, existem desigualdades estruturais. Há um desequilíbrio de poder, afinal uns são doadores, outros beneficiários das verbas da cooperação para o desenvolvimento, e os passados coloniais e seus padrões de pensamento estereotipados. Tudo isso é um desafio para as parcerias municipais. Para garantir que as atividades contribuam, de fato, para o desenvolvimento, os municípios devem cultivar relações equitativas, em que os parceiros possam cooperar em pé de igualdade. O que pode ser feito, concretamente, para construir e cultivar parcerias com a maior equidade possível?

Embora o mundo esteja bastante globalizado, as desigualdades estruturais e os desequilíbrios de poder não foram superados. Sem razão alguma, o conhecimento gerado no Norte Global costuma  ser percebido como superior ao conhecimento do Sul Global. Como dinheiro é poder, a concentração de recursos financeiros nas mãos dos países do Norte Global pode permear as parcerias municipais: o poder financeiro pode influir no processo de seleção do município parceiro no Sul Global, na definição dos eixos temáticos da parceria e na avaliação dos projetos fomentados, distorcendo, mais ainda, as relações de poder.

Importa, portanto, refletir sobre as relações globais de poder e seus efeitos nas relações de parceria. Suposições sobre interesses e motivações dos municípios parceiros devem ser evitadas. Quem parte de especulações, de supostos interesses do município parceiro, provavelmente tenha omitido o intercâmbio franco e aberto. Como em cada município existem perspectivas e posições (de poder) diferentes, opiniões individuais nem sempre são representativas. Por isso, é preciso reservar tempo para sondar os interesses, o marco político, os programas de desenvolvimento existentes e as expectativas do parceiro, que, a seguir, devem ser alinhados com as ideias próprias. Projetos da política do desenvolvimento apenas são relevantes e surtem efeito se erguidos sobre as demandas dos dois municípios e ancorados nos respectivos contextos locais.

Convém perguntar-se, individualmente, se as opiniões e manifestações pessoais, embora inconscientemente, vêm carregadas de discriminação ou sexismo. Antes de serem individuais, os estereótipos costumam ser estruturais, arraigados em percepções da sociedade como um todo que se formaram ao longo do tempo e ensejam suposições sobre a realidade de vida do município parceiro. Treinamentos interculturais são instrumentos oportunos para a reflexão e evitam que os parceiros simplesmente alimentem os estereótipos. Quando suplantados, eles dão lugar a novas perspectivas, a novas formas de pensar e agir.

A compreensão mútua, o respeito e a transparência são as bases essenciais para uma parceria com a maior equidade possível. Os parceiros precisam reconhecer e respeitar suas diferenças em termos de estruturas políticas, competências funcionais e processos de decisão. Isso implica respeitar a autonomia do outro, seus programas, estratégias e potenciais de desenvolvimento existentes nos municípios envolvidos. Exige, ainda, que os municípios envolvidos reconheçam e compreendam suas realidades locais distintas e criem abordagens adequadas. Antes de mais nada, importa manter um diálogo com diversos atores do município parceiro, isto é, demonstrar interesse, perguntar e dar ouvidos. Tudo sem juízo direto, sem comparação imediata com a realidade própria. O que funciona em um dos municípios nunca poderá ser transferido “literalmente” para a realidade do outro. O potencial de adaptação, de contextualização, sempre deve ser objeto de análises minuciosas. Entre outras coisas, convém analisar as estruturas municipais. As competências e atores envolvidos tendem a ser diferentes.

Especialmente no início de uma nova parceria ou projeto deve reservar o tempo necessário para conhecer e compreender as estruturas e modos operacionais no município e no país do parceiro. Entre os preparativos, citamos o levantamento objetivo de dados sobre as estruturas administrativas municipais no país do parceiro (para informações sobre as estruturas administrativas dos municípios na Alemanha, confira o capítulo “Informações adicionais” no fim desta matéria).

Nos encontros presenciais, convém observar e respeitar questões culturais e protocolares, como: roupa adequada e sequência de saudação. Além disso, deve se dar preferência a encontros entre pessoas com cargos ou funções semelhantes.

Parcerias municipais reúnem uma ampla gama de atores, interesses, demandas, expectativas e objetivos. Parceiros que definem, conjuntamente e desde o princípio, seus objetivos, atividades e modos operacionais, lançam uma base sólida para sua atuação e dão rumo à sua cooperação. O objetivo, os eixos temáticos e o tipo de parceria (cidades irmãs ou geminação oficial, parceria de projetos, etc.) podem ser objeto de uma declaração ou acordo preparado e firmado pelos parceiros. Para instituir parcerias equitativas, os parceiros devem intencionar um intercâmbio técnico que vá além da transferência de verbas e/ou mercadorias e know-how do Norte ao Sul. O intercâmbio técnico-profissional e a troca de experiências brindam os parceiros com a oportunidade de conhecer soluções municipais e experiências diferentes, de aprofundar seu conhecimento das interdependências globais e de agir, in loco, em prol do desenvolvimento com resiliência. Ou seja, a parceria deve abarcar temas em que o município alemão possa aprender com as experiências, o conhecimento e o know-how de seu município parceiro no Sul Global.

Mapear atores e analisar partes interessadas permite traçar um panorama de todos que, direta ou indiretamente, serão envolvidos ou atingidos pelas atividades. Esse esforço pode ser bastante útil, principalmente durante a construção de novas parcerias e da preparação de projetos conjuntos. A partir daí, é oportuno definir o “quem, como e quando” da informação e do envolvimento nas atividades da parceria.

Desde o início, os parceiros devem revelar e registrar, por escrito, o que esperam da parceria e de seu município parceiro; essas expectativas devem ser verificadas periodicamente e, eventualmente, atualizadas. Com base nesse levantamento os interesses dos municípios podem ser comparados. Dos interesses compatíveis, podem ser derivados os objetivos conjuntos. Dessa forma, os parceiros são capazes de descobrir e definir como determinados atores ou municípios podem contribuir para realização das expectativas e objetivos. Como metodologia indicada para atribuir papéis e responsabilidades, citamos a matriz RACI - Responsible, Accountable, Consulted, Informed.

Em projetos que envolvem fomento financeiro, um dos maiores empecilhos da equidade são as chamadas “relações hierárquicas entre doadores e beneficiários”. Programas de fomento que exigem que as propostas sejam submetidas pelos municípios alemães induzem uma dependência estrutural da submissão da proposta à execução do projeto. Ao mesmo tempo, esse modelo acarreta deveres de prestação de contas “do Sul ao Norte”. Por constituir um elemento inerente aos mecanismos de fomento, essa dependência estrutural deve ser  considerada e discutida abertamente pelos municípios parceiros. Em meio às estruturas, existem espaços de manobra que os parceiros, com a maior equidade possível, podem usar para criar projetos que dão certo.

Convém conversar e alinhar ideias, desde o princípio, isto é, antes de escrever os projetos e submeter as propostas. Embora os municípios do Sul Global, por motivos formais, não possam submeter propostas independentemente dos municípios alemães, as propostas devem ser preparadas em conjunto, partindo sempre de demandas relevantes para a política do desenvolvimento. No intuito de definir as responsabilidades e formalizar o compromisso com o projeto, os parceiros devem firmar, o quanto antes, um acordo de projeto na forma de contrato de direito privado. Esses acordos manifestam que as partes – em medida igual – são responsáveis pelo êxito dos projetos conjuntos. Para tanto, os parceiros dos municípios alemães precisam ter acesso, em sua língua oficial, a todas as informações importantes relacionadas com o formato e as condições do fomento. Para projetos fomentados pelo SKEW, essa documentação foi traduzida para os idiomas oficiais dos parceiros. Além disso, convém participar – juntamente com o parceiro – de consultas para proponentes (reuniões virtuais etc.).

Em cada município envolvido, é importante atribuir competências e definir a responsabilidade pelas atividades da parceria. É essencial indicar um(a) responsável, ou seja, uma pessoa que sirva de ponto de contato e garanta a comunicação com o município parceiro. A cooperação em pé de igualdade fica mais fácil quando os dois pontos de contato têm competências semelhantes e ocupam cargos ou funções parecidas.

Para evitar que as estruturas operacionais sejam afetadas pela alternância de governos municipais e responsáveis, as atividades da parceria devem ser atribuídas a funções e cargos que devem prevalecer sobre as pessoas. Estruturas existentes no próprio município (comitês, grupos de trabalho, etc.) podem ser aproveitadas para isso. Na melhor das hipóteses, a cooperação envolve várias secretarias, departamentos ou áreas técnicas municipais; políticos/as como prefeitos/as e vereadores/as; lideranças comunitárias e, eventualmente, outros/as atores/as municipais: quanto mais ampla a base de sustentação nos dois municípios, mais duradoura parceria. Além disso, é possível envolver atores da sociedade civil que cultivam relações de longa data com o município parceiro e conhecem as estruturas e processos na Alemanha.

Parcerias fundadas na confiança exigem uma comunicação aberta e transparente entre os municípios e atores envolvidos. O primeiro passo é a definição do idioma. Eventualmente, convenha encontrar e envolver pessoas que dominam os idiomas dos parceiros e podem apoiar o trabalho. Em outros momentos, sobretudo na hora de aprofundar o intercâmbio técnico-profissional, convém trabalhar com interpretes profissionais para estabelecer a igualdade de oportunidades de todos/as os(as) participantes.

Em um segundo momento, trata-se de conhecer, compreender e respeitar as vias e canais de comunicação no município parceiro e definir, entre parceiros, os meios de comunicação para o projeto, como e-mail, telefone, serviços de mensagens, rede sociais, videoconferências. Entre os municípios, o marco da comunicação varia (restrições para usar determinados meios de comunicação, apagões frequentes; etc.). Importante considerar, ainda, as diferenças culturais (formalidade da comunicação, significado de fala vs. escrita).

Idiomas e linguagens são expressões e portadores das culturas. Questões culturais, que determinam a comunicação, devem ser reconhecidas e consideradas. A título de exemplo, citamos o caso da Alemanha com sua comunicação bastante direta e franca que, no exterior, pode ser percebida como pouco gentil. Em caso de dúvidas, antes de interpretar manifestações e comportamentos estranhos, é melhor esclarecer eventuais dúvidas. Às vezes, pode ser oportuno comentar o próprio estilo de comunicação (“para nós, essa franqueza é normal”).

Além da comunicação interna, entre os parceiros, a comunicação externa da parceria, na medida do possível, deve ser permeada pelo espírito de parceria equitativa. Continuidades coloniais supervenientes na linguagem podem criar divisões, entre “nós” e “os outros”. Por isso, é de fundamental importância questionar e refletir sobre os conteúdos e a linguagem das relações públicas, da divulgação da parceria, de seus projetos e atividades. Em vez de reproduzir estereótipos, importa traçar um quadro diferenciado do município parceiro e das atividades da parceria. Melhor evitar matérias superficiais que carecem de conteúdo. Mencionar, em pé de igualdade, pessoas e cargos (evitar frases como “prefeito da cidade de... se reúne com delegação de...”). Citar as ideias dos atores do município no Sul Global (indicando os créditos de palavras e imagens, que são importantes, sobretudo, para atores alemães).

Na melhor das hipóteses, as relações públicas da parceria são uma atividade coletiva dos parceiros. Dessa forma, se evita que um município fale sobre o outro.